domingo, 18 de dezembro de 2011

(OUTROS) TIPOS DE TREINO TÉCNICO (III)


1. A VERBALIZAÇÃO

O orientista principiante aprende depressa a teoria dos procedimentos técnicos fundamentais da Orientação. As noções de: escolha de itinerário, ponto de ataque, manuseamento da bússola, relação mapa-terreno, depressa se tornam familiares. Mas, para as aplicar na prática, é preciso tempo e trabalho.

A falta de prática e treino basta para explicar porque é que as ações técnicas fundamentais não são todas realizadas. No início parece que temos que realizar tudo ao mesmo tempo … precipitamo-nos por causa de um desejo súbito de correr ou pela presença de um concorrente que se cola a nós pensando que tem o mesmo ponto … e, à chegada, um grande sorriso rasga-nos a face pelo prazer da experiência vivida e, igualmente, uma pontinha de remorsos pelos erros cometidos, sobretudo “porque era tão simples !”…

O orientista experiente é, por sua vez, confrontado com outros tipos de problemas, mas as consequências não são a maior parte das vezes muito diferentes – precipitação no início da prova seguida de stress, erros na parte final do percurso devidos à fadiga física e mental. Tantos esquemas habituais que se repetem, por vezes duma prova para outra, mas para os quais ele se sente desarmado …

A ideia directora da verbalização é pois a seguinte: permitir ao orientista, seja qual for o seu nível técnico, de efectuar, sem esquecimentos, as principais ações técnicas que condicionam um bom desempenho na Orientação. Na execução dos “ponto-a-ponto” dos percursos, a ordem pela qual se encadeiam as ações técnicas é importante; tentemos ver a sua sucessão.

Este fio condutor leva-nos à noção de automatização. Automatizar comportamentos, como por exemplo na condução automóvel, constitui um meio de evitar esquecer certas ações graças à aquisição de rotinas.

Alguns princípios a ter em conta na conduta a seguir:
  • Quanto mais uma ação estiver associada a um momento específico do “ponto-a-ponto”, tanto mais ela poderá facilmente ser automatizada, tal como a visão do sinal vermelho do semáforo nos faz meter o pé no travão do carro. Seguidamente tentaremos, na medida do possível, associar a cada ação técnica fundamental um momento específico do “ponto-a-ponto”.
  • A verbalização em voz alta constitui um bom desencadeador da ação e automatiza-se mais facilmente do que a própria ação. E é, pela mesma razão, um bom meio para chegar à automatização do comportamento. Concretamente, consiste em dizer em voz alta na floresta, durante o percurso, expressões definidas por nós antecipadamente.
Poderemos pois representar estas duas regras pelo seguinte esquema:

Cada momento específico do “ponto-a-ponto”



uma verbalização em voz alta


 

uma ação técnica


É necessário pois:
  • Definir as ações técnicas fundamentais;
  • Para cada ação técnica, escolher a correspondente verbalização
  • Para cada palavra verbalizada, determinar o momento exacto do “ponto-a-ponto” a que deve estar associada.

Exemplo da ordem do desenrolar dessas ações, bem como da verbalização correspondente e dos momentos aos quais estão associadas:

1)   Ainda no ponto de controlo, escolher o ponto de ataque do ponto seguinte, mesmo antes de pensarmos no itinerário para lá chegar
  •       Verbalização escolhida: “Ponto de Ataque”
  •       Momento específico: a partir do momento que “pica o ponto”

2)   Construir o itinerário que nos levará ao ponto de ataque da baliza seguinte
  •       Verbalização escolhida: “Itinerário” ou “Iti”
  •       Momento específico: logo que tenhamos escolhido o ponto de ataque
A maior parte dos atletas não trabalha este automatismo dado que, imediatamente a seguir à escolha do ponto de ataque, geralmente não se esquecem de construir o itinerário.

3)   Saber exatamente para onde nos devemos dirigir quando sairmos do ponto de controlo, dando uma visada nessa direção
  •       Verbalização escolhida: “Bússola” ou “azimute” ou “direção”
  •       Momento específico: logo que tenhamos construído o itinerário que nos levará ao ponto de ataque.
Esta visada se bem que serve para nos conduzir para a saída do ponto de controlo, deve realizar-se ainda enquanto estamos junto à baliza.

4)   Conhecer a definição do ponto de controlo quando nos estamos a aproximar dele
  •      Verbalização escolhida: “Def”
  •     Momento específico: logo que o ponto de ataque está à vista, ou, o mais tardar, ao chegarmos ao ponto de ataque no caso de o termos descoberto no último momento.

5)   Passar efetivamente pelo ponto de ataque
Esta ação efectua-se aquando da realização do passo 6.

6)   Mudar então de comportamento concentrando-nos na leitura precisa do mapa para ficarmos com uma imagem mental o mais clara possível dos elementos característicos do terreno envolvente da baliza e da(s) linha(s) de paragem, se, eventualmente, passarmos por ela sem a ver
  •       Verbalização escolhida: “Zoom”
  •        Momento específico: logo que tenhamos passado pelo ponto de ataque.

A experiência mostrou que a verbalização escolhida deve ser própria a cada orientista. Cabe a cada atleta escolher as palavras ou abreviações que melhor lhe convém e de as conhecer plenamente – porque é em voz alta na floresta que ele as deverá pronunciar, nomeadamente junto às balizas onde ele estará por vezes rodeado doutros orientistas que não deixarão de lhe dirigir um olhar interrogador depois de terem ouvido o primeiro “Ponto de Ataque” !

Estas cinco ações técnicas não têm forçosamente de ser trabalhadas em bloco e é ainda a cada um que cabe determinar quais delas correspondem efetivamente aos seus principais pontos fracos.

Durante o aquecimento, dos treinos e das provas, devemos rever e memorizar as palavras definidas e imaginarmos que estamos a verbalizá-las na floresta nos momentos escolhidos dos “ponto-a-ponto” do percurso.

Sublinhe-se que, a “verbalização” não constitui um fim em si próprio, mas simplesmente um meio expedito para acelerar a automatização dos pontos técnicos fundamentais. A partir do momento em que os automatismo estão bem instalados, o objectivo é deixar de os verbalizar.

A aquisição de automatismos:
  •       Diminui os gastos em energia mental, adia a fadiga e os riscos de erro que daí advêm
  •       Serve de “guarda-chuva” nos momentos difíceis
  •       Reduz o tempo necessário ao encadeamento das diversas fases técnicas
  •       Ajuda o orientista a estar calmo e mais disponível para ler e interpretar o mapa e o terreno
  •       Dá confiança ao atleta na sua técnica, evitando que ele se esqueça de certas fases.


Exº:Verbalização – Mapa com uma vintena ou trintena de pontos de controlo”

Objectivo: adquirir automatismos graças à verbalização
Suporte: em mapa de Orientação. Simulação.
Só ou em grupo:
Bússola: sim
Balizas necessárias: não
Treino físico associado: resistência aeróbica (endurance).

Preparação: traçar no mapa um grande percurso de Orientação com uma vintena ou uma trintena de postos de controlo, com um número elevado de opções de itinerários.

No terreno: para cada “ponto-a-ponto”, utilizar os mesmos princípios que em percurso real:
  • Dizer em voz alta “Ponto de Ataque” e escolher o ponto de ataque, e,de seguida, construir o itinerário
  • Dizemos “Bússola” e com a nossa bússola realizamos o azimute de saída do ponto de controlo, seguindo-o durante alguns metros
  • De seguida, correr sem ler o mapa até ao ponto de ataque, imaginando o itinerário escolhido
  • Uma vez chegados mentalmente ao ponto de ataque, diremos “Zoom” e fazemos uma leitura de precisão do mapa para uma aproximação perfeita à baliza
  • Continuar a correr sem ler o mapa com as imagens mentais que memorizamos dessa leitura de precisão na cabeça – o que deveremos encontrar depois do ponto de ataque, a respectiva disposição dos diferentes elementos, a vegetação em volta da baliza, o relevo em volta do ponto de controlo … com a cabeça levantada ("cabeça radar") para tentarmos detectar o local da baliza ...
  • A seguir prosseguimos para o novo “ponto-a-ponto”.


REFERÊNCIAS:
·         Jean-Daniel Giroux, 2003.

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